Eu devia ter uns 14 anos de idade a primeira vez que senti que queria fazer games. Lembro de estar jogando Road Rash 3 pela milionésima vez, pensando em como faria uma versão modernizada para o Dreamcast, meu outro console. Contei a ideia em minúcias para meu irmão mais velho, que fazia faculdade de ciências da computação.
O discurso que veio em seguida sobre como poderia me tornar um desenvolvedor já desanimou. Teria que aprender programação, cursar ciências da computação como ele, que odiava o curso (depois ele mudou para jornalismo), e matou a ideia por uns bons anos quando meus pais, que já se preocupavam o quanto eu era “viciado” demais em jogos, determinaram que isso não seria uma trabalho de verdade e eu estava inventando história pra viver no videogame. Esse foi o primeiro desvio.
Muito bem, já chego ao ponto… depois de diversas experiências fracassadas em outras áreas, criaram a faculdade de Games da Anhembi Morumbi. Entrei na terceira turma, com a condição de que eu teria que bancar o curso sozinho. Lá eu me desenvolvi em dois campos: conceitualizar e administrar a produção de um game (considerando que a cada 6 meses o nosso grupo deveria praticamente criar um game novo, que sempre ficava uma merda e incompleto), e descobri que me dava bem com animação.
Foi só no penúltimo ano do curso que eu consegui um trabalho fixo sem ser estagiário. Era motion designer em uma agência de publicidade. Estava ganhando muito melhor que qualquer um que milagrosamente conseguia algo com games, estava evoluindo muito mais rápido em motion design dentro do trabalho e meus chefes me ofereceram pagar cursos técnicos focados em motion. Foi aí, no último ano, que resolvi abandonar a faculdade e me focar naquilo que dava dinheiro e “futuro”. Meu segundo desvio.
Entre umas e outras, sempre quis fazer games. Sempre fiz games, tenho dezenas de conceitos na minha cabeça e escritos, jogos inteiros pensados no papel. Não desenho bem, minha programação é básica demais e, conforme o tempo ia passando, ficava cada vez mais impossível eu me dedicar exclusivamente a isso. Fiquei 5 anos trabalhando exclusivamente como motion designer para publicidade, sempre procurando brechas para fazer game, e sempre morrendo antes de começar.
Os motivos para morrer são bem comuns a todos: ou os envolvidos não tem tempo para produzir, enrolados em trabalhos e freelas, e a ideia morre, ou os envolvidos não se interessam pela ideia a ponto de fazer o sacrifício, ou simplesmente não sai dinheiro de lugar nenhum para pagar um profissional na hora que a ideia for morrer.
Não sei se é alguma crise de meia idade precoce ou coisa assim, mas já fazem uns 3 ou 4 meses que determinei que a minha última ideia vai ter que acontecer de qualquer jeito. Então comecei a refletir sobre minhas experiências.
Primeiro: reconheci as minhas próprias fraquezas como definitivos impedimentos para fazer um jogo sozinho. Preciso de alguém que desenhe e preciso de alguém que programe, pra começar.
Segundo: abri mão da necessidade de querer ganhar milhões com um jogo, focando essencialmente em produzir algo bom.
Terceiro: me conformei que, por enquanto, é impossível para mim me dedicar exclusivamente a isso, e provavelmente também para quem for trabalhar comigo. O risco é inevitável.
Acredito que a maioria dos profissionais dessa área tiveram alguma experiência semelhante à minha na parte de começar a trabalhar e ganhar mais dinheiro dentro da publicidade. É só ver, é o mercado que mais movimenta dinheiro dentro de uma “produção criativa”, o nível técnico de produção é muito superior a qualquer outra área de produção cultural nesse país.
O mais interessante dentro disso é que, dentro da minha experiência e esse pouco tempo recente que venho conversado com mais pessoas interessadas em games, é que um número gigante de pessoas tem essa vontade de trabalhar com games, e os mesmos impedimentos de tempo, dinheiro, etc.
Então, resumindo: preciso de outros profissionais comigo, mas é praticamente impossível conseguir alguém que trabalhe de verdade sem uma garantia e segurança de que seu esforço não será desperdiçado.
O que mais tem, na verdade, é gente que topa sua ideia e se entusiasma, mas nunca põe a mão na massa porque não tem tempo, vive cansado, tem um monte de freelas, etc…
Então me veio o primeiro conceito nesse modelo independente: investir em freelancers. Trabalho pago já é outra história, faz-se um contrato que obriga o artista a entregar o que foi proposto.
Mas sai caro… especialmente se eu tratar o freela como se eu fosse um cliente habitual, publicitário.
Mas eu gosto de pensar neste investimento como um “mecenato”. O freelancer vai receber para fazer aquilo que ele gosta, desenvolvendo games. É uma coisa que todos queremos fazer, ajudar, participar, e eu vou pagar por isso! Não é ótimo? Vou pagar menos que um cliente que quer que você crie uma ilustração para um banner da empresa de pregos e porcas dele, é verdade… mas não sei vocês, eu sempre odiei ter que fazer isso, receberia menos com todo gosto para fazer um game livre desse mercado publicitário.
Tem outra, o freelancer recebe créditos absolutos pelo seu trabalho, coisa quase inexistente em publicidade.
E mais, participação nos lucros e na produção total do jogo!
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Bom, vamos lá. Essa lenga lenga até agora foi para contextualizar minha lógica que já estou colocando em prática. Vamos falar de negócios.
Divido o investimento em três etapas: Protótipo, Produção e Comercialização.
Protótipo
Então temos uma ideia legal para um jogo, seja ele A ou AAA, que precisa sair do papel, mas ninguém vai sair gastando do próprio bolso a fortuna que vai custar tantos freelancers, muito menos receber investimento para uma ideia que está no papel. Bom, não sem ter que submeter a ideia completamente a quem estiver financiando.
Precisamos portanto de algo mais físico para juntar recursos e seguir para produção completa do jogo. Sintetize sua ideia nos elementos mais básicos como mecânica básica, arte principal e um pouco de level design, e desenvolva um protótipo simples, mas que expresse o potencial do seu jogo.
No meu caso, voltando ao modelo “mecenas”, consegui um bom ilustrador para desenvolver meu personagem principal a 40% do preço de varejo. Tenho um programador e um modelador dispostos a participar por conta própria do jogo, mas se isso não der certo, tenho um orçamento baixo e de fácil acesso (menos de R$ 5 mil) para desenvolvimento do protótipo em torno de 6 meses.
Esse dinheiro inicial é um risco que eu assumo sozinho. Não existe um modelo sem riscos. Se a ideia é boa, se tem potencial, vai valer a pena.
E mais, estou pagando pessoas que são especializadas e experientes em suas próprias áreas. Isso garante a qualidade técnica em todos os aspectos.
Juntei esse dinheiro vendendo minha alma para publicidade e é hora de investir em algo melhor.
Produção
Daí então temos um protótipo bonitinho, coisa de mais ou menos 5 minutos de jogo que ilustre da melhor maneira possível a sua ideia completa, o potencial de um jogo realmente bom. Com isso, fica bem mais fácil convencer outros a fazer seu jogo ficar pronto.
É hora de fazer o budget estimado completo do jogo. Caçar ilustradores, modeladores, animadores, programadores, pesquisar que tipo de investimento para divulgação e venda será feito, tudo… e colocar no papel o custo disso no tempo estimado de produção.
Essa parte se assemelha ao modelo tradicional de produção, mas com duas grandes diferenças:
Primeiro, quem trabalhar como freelancer determinará um valor fechado pelo seu serviço, independentemente do tempo que levar para ele ser feito. É lógico que isso é quase impossível de ser determinado com precisão, mas se torna justo e mais seguro para o artista, uma vez que ele está recebendo para participar de um projeto muito mais interessante que seus contratos habituais.
Segundo, economiza-se muito com a fragmentação da mão de obra e virtualização da empresa. Não há necessidade de se montar um local físico de trabalho, com máquinas e softwares e funcionários registrados e com salários fixos. O único gasto será a manutenção de um virtual office, dos sócios (aqueles que trabalham no game sem receber como freela) e gastos mais burocráticos como registros, contabilidade, emissão de notas, etc.
Ainda assim, essa é a parte mais difícil do modelo. É necessário ter uma boa visão do cronograma de desenvolvimento, organização e controle dessa mão de obra fragmentada, e o pior de tudo: conseguir o dinheiro orçado.
É imperativo também que fique determinado definitivamente quem será sócio e quem será freelancer no projeto, e tudo determinado em contrato.
Com o protótipo e o projeto em mãos, daí vale tudo. Meu ideal de sequência para obter os fundos é: self-funding, investidor anjo, financiamento empresarial e crowdfunding, sucessivamente. Isso porque o ideal é juntar todo o orçamento de uma vez antes de investir na produção.
É claro que isso irá variar muito dependendo do custo do projeto. Jogos mais casuais e mobiles podem conseguir somente com crowdfunding, enquanto projetos AAA precisariam de muito mais trabalho e esforço para vender o peixe e juntar o dinheiro.
Meu projeto se enquadra mais de nível AA. Meu orçamento estimado fica entre 200-300 mil. É um investimento pesado, mas não é uma coisa absurda se for pensar nos tipos de investimentos que tem por aí. É difícil, mas é factível.
Comercialização
Custos de divulgação, plataformas de suporte, sites, bancos de dados (caso necessários) devem estar todos orçados dentro da produção, mas entram em prática mais agora que seu jogo está quase pronto. Como distribuir os lucros?
Primeiro, todos os lucros brutos serão usados para quitar dívidas e devolver financiamentos e investimentos. Depois, para cobrir gastos e prejuízos imprevistos da empresa virtual. Somente então o dinheiro começa a render como um lucro líquido.
Esse líquido é dividido igualmente entre os sócios da empresa (aqueles que não receberam para trabalhar) e uma parte para os freelas, divida entre todos eles igualmente.
Colocando tudo em números bem grosseiramente: foi gasto 300 mil para produzir e comercializar um jogo em 2 anos e meio, a partir do desenvolvimento final do jogo. Vendendo a R$ 30,00, com lucro de R$ 12,00 (40% no steam, por exemplo), com uma estimativa de 50 mil cópias no primeiro ano (desde lançamento, passando por promoções e humble bundles), tem-se um lucro bruto de 600 mil. Descontado os gastos de produção e financiamento, sobra 300 mil para dividir entre os sócios, que podem optar por vender sua parte e ficar com o dinheiro ou investir em caixa para o próximo jogo, e uma parte para os freelas colaboradores. Exemplo, se a empresa tem dois sócios e dez colaboradores, os sócios “recebem” 100 mil, e cada colaborador 10 mil (100/10) como “bônus”, além do que já recebeu como freelancer.
Esses valores são bem realistas e ainda arredondados por baixo. Tomei como base os valores divulgados do game “Dust Force”, que eu classificaria entre A e AA.
http://hitboxteam.com/dustforce-sales-figures
Além de outros dados semelhantes:
http://www.coldbeamgames.com/3/post/2012/11/november-26th-2012.html
http://www.slideshare.net/simoniker/independent-games-sales-stats-101
A ideia ainda está bem crua em suas minúcias. É claro que ainda é extremamente difícil, e a parte mais difícil de todas que é conseguir o dinheiro vai continuar sendo uma questão quase de sorte.
Mas é um modelo com menos riscos e mais incentivos para os participantes. Precisa de coragem, criatividade e dedicação para os sócios, mas também dá uma flexibilidade para prazos e mão de obra. É um grande gasto único, mas muito pouco gasto fixo e constante, tempo se torna um inimigo mais brando.
Minhas maiores dúvidas sobre o sucesso disso são as seguintes:
– Será que consigo juntar para produção R$ 300 mil, como no exemplo, de qualquer forma possível?
– Será que interessa aos freelas, em caso de sucesso, receber 30 mil por três anos de trabalho no projeto? (soma do valor de produção com participação dos lucros estimados)
– Será que as pilhas burocráticas entre a formação do escritório virtual, obter os financiamentos, registrar a empresa neste modelo, receber os lucros, devolver para os investidores, manutenção de caixa da empresa e distribuição dos lucros líquidos, não vão impedir o modelo de ser possível?